Olá!
Uma das minhas facetas é a de cronista. São apenas alguns escritos, mas um dos que mais aprecio é este que disponibilizo para os (as ) amigos (as) lerem. Aproveitem e espero que gostem.
Seu Delega, Mãosinha e Raspadinha
O delegado Mauro facceti era temido por todos na região. Mulato alto, medindo um metro e noventa, forte como um touro, tinha um fraco por bater nos presos e por sua mulher. Sempre com um sorriso sarcástico, passava em revista as celas todas as manhãs,muito calmo, quase nunca gritava. Formado em Direito, o Delegado Facceti gostava muito de ser chamado de Doutor Facceti.
“Seu delega”, como os presos o chamavam, tinha o respeito e admiração dos colegas e medo por parte dos presos da sua delegacia. Certa vez, um interno – como Facceti gostava de chamar os presos - resolveu fazer greve de fome: “Dá um corretivo nele...” disse o delegado completando “dá nele até querer comer.”
Naquela semana ia tudo bem, aquela campana para pegar um gatuno que andava saqueando as residências dava resultado e quase pegaram o sujeito. Mas numa noite, chegando cansado, o delegando encontrou a casa vazia e pior, sua mulher fugiu com o gatuno. Deixou apenas um bilhete que dizia: “ adeus Mauro, não agüento mais, você chega e nem liga para mim. Qu’ é que há, sabia que você não dava no coro, mas assim é demais. Vou embora com Micuim. “
Na manhã seguinte nem precisava dizer nada, era somente olhar a cara de Facceti para deduzir a hecatombe na sua vida. Os presos ficaram sabendo e achincalharam o homem. Na redondeza não se falava em outra coisa, e, companheiros mais desdenhosos fizeram piadinhas até não agüentarem mais de tanto rir. O delegado chegou a um ponto de sacar a nove milímetros e dar tiros para o alto. Baixou uma norma, quem fizesse gracinha iria para o xilindró. Nada adiantou, quanto mais ele esperneava, mais o esculhambava.
O desespero de Facceti atingiu ponto extremo quando recebeu uma carta de Micuim, conhecido ladrão da redondeza, o qual ninguém sabia a identidade, dizendo: “ olha seu delega, você não prende nem a sua mulher em casa, quanto mais eu. Vê se me esquece suas coisa estão comigo inclusive a boazuda da sua ex-mulher.” Isto era o fim, o cúmulo. “ Se’u pego esse filho da puta, eu mato, ele e a vagabunda”, disse certa vez Facceti ao delegado substituto. Ao final do entardecer, Facceti recebeu um telefonema:
- Alô! Delegado Facceti falando.
- Se’u delega, eu sei aonde sua mocei está. Qu’e sabe?
- Claro! Respondeu Facceti já irritado. Aonde está essa vadia?
- Com Micuim Se’u delega. Aqui perto da minha casa.
- E onde, diabos, é a sua casa? Inquiriu Facceti num surto de cólera.
Meia hora depois voltaram dois soldados e o cabo com o sujeito e a mulher. No que foi entrando na delegacia, Micuim tomou um tapão do carcereiro. Repreendido pelo delegado, Alfredo Negão, pediu desculpas ao sujeito. “ Leva ele pro’s fundos” , disse Facceti e concluiu “ a mulherzinha para minha sala”. Passados alguns minutos entrou na sala e disse:
- Tonha ! Tonha! Que mal te fiz para merecer isto.
Tonha, ou melhor, Antonia dos Santos Silva, uma mulata daquelas de fechar o trânsito, um metro e setenta e cinco, coxas grossas, seios miúdos ( daqueles que cabem inteiros na boca) e uma retaguarda redonda e vasta. Simplesmente respondeu:
- Não tomaste conta de mim, procurei outro.
- Como não? Dava-te de tudo, que quer mais?
- Um homem com AGA maiúsculo. Que chegue em casa e me procure.
- Tomo tiro à três por quatro, me mato o dia todo, e você quer me matar a noite também?
- Micuim faz tudo isso e tem tempo para mim, não é desculpa.
Já de saco cheio de Micuim e daquele falatório, Facceti perdeu a calma e meteu a mão na mulata. Ela retribuiu, ele deu outro, outro, mais outro, até que um companheiro segurou-lhe a mão.
- Qué isso Mauro! Em moça não se bate nem com uma flor.
O escrivão, um homem baixinho também falou:
- Mauro, companheiro pelo amor de Deus, não faça isso!
- Qué vê como eu faço?
PAFFF!Outro tapa na mulher. Novamente todos seguraram o delegado. A moça disse por fim , enquanto ia saindo de fininho, e , no momento em que Facceti estava seguro pelos amigos:
- Viado é assim mesmo e pior são os enrustidos, que enganam os outros fingindo que é macho batendo em mulher.
Outro negão que estava ajudando a segurar Facceti disse a Tonha:
- Vai te embora mulhé! Vá t’imbora se não eu solto o delega!
A multata foi.
Horas depois e já estabelecida a ordem na delegacia, Facceti mais calmo perguntou:
- Aonde está o elemento ladrão de galinha e de mulher do alheio?
- Tá no xilindró, respondeu o carcereiro.
- Chama o elemento aqui prá uma conversinha comigo.
Sai o carcereiro e entra o delegado substituto. O silêncio da sala era inquietante. Odovaldo, amigo de Facceti, fazia décadas, por educação e respeito, não falou nada. Algum tempo depois adentra a sala um rapaz novo, dos seus 20 anos mais ou menos, mirrado, baixo, bigodinho ralo, barba por fazer. Atrás dele estava Alfredo Negão, o carcereiro, um louro de olhos verdes, cabelos rapados, forte, mais parecia um fuzileiro naval ( daqueles que aparecem nos filmes de guerra norte-americanos).
- O homi tá aí dotô.
- To vendo. Respondeu Facceti com ar de matador. “ Saiam todos” finalizou. Enquanto observava Micuim, Odovaldo, conhecendo o amigo permaneceu aonde estava. E sob o olhar de Facceti disse serenamente:
- É Mauro , pegamos o sujeitinho.
- Eu pedi para todos saírem, inclusive você.
- Qué isso, conheço seu gênio. S’eu deixo você só com o elemento, espanca o rapaz. Não posso permitir.
- Qué que há , qué que há?
- Lembra-se, eu sou mano bom e você o mal.
- Por isso peço a sua saída. Saia! Gritou Facceti.
Nesse momento, Micuim interrompeu os dois policiais:
- Pó seu delega, nada haver. Se me matar não terá Toinha de volta.
- Como é?! Como é?! Toinha? Toinha ! Era o que me faltava. Micuim e Toinha!
Tira esse sujeito daqui antes qu’ eu faça picadinho dele! Já roxo de tão nervoso, gritou o delegado.
Ao final do dia, Facceti conversou com dois sujeitos que trabalhavam na delegacia e que faziam certos trabalhos. À noite , quando o jantar foi servido as celas, Micuim fez um escândalo:
- Quero o meu advogado! Essa comida é pra porco, porra! Cadê os direitos humanos? Carcereiro! Carcereiro! Carcereiro!
A gritaria continuou por mais uns quinze minutos. Outros presos aproveitaram a deixa para reclamarem também. O da primeira cela dizia que era inocente, o da cela ao lado de Micuim gritava por Deus, ao fundo, outro gemia, enfim balburdia total. O carcereiro e mais dois soldados entraram com a mangueira de bombeiro e mandaram água. A gritaria aumentou por mais alguns instantes e parou.
- O próximo que gritar leva corretivo. Disse em alto e bom som, quase soletrando, o carcereiro.
Um homem, não identificado finalizou com uma voz rouca e surda, maquiavelicamente.
- Não quero saber de bagunça . Não quero ouvir nem sinal de respiração.
- E quem é você para dizer o que devemos fazer? Retrucou Micuim.
- Sou o Todo Poderoso respondeu virando as costas e saindo.
- O silêncio tomou conta das celas, que somente foi quebrado com a voz de um rapazinho, dos seus 18 anos, ao fundo da cela onde estava Micuim.
- Escutem o homem! Escutem o homem!
Micuim aproximou-se do rapaz e arrepiou-se com o que viu.
- Virgem Santa Maria Mãe dos Homens! Qué isso?
O garoto estava roxo dos pés a cabeça , sem pêlos por todo o corpo, pelo menos o que podia se ver, pois a cela era escura, quase sem luz. O companheiro de cela de Micuim, balbuciou algumas palavras ininteligíveis, mais por fim disse:
- Você roubou a mulher do seu delega, não foi você?
- É. Respondeu Micuim.
- Cuidado com o Mã... inha e com o ....
Foi aí que Micuim percebeu o rapaz não tinha dente algum na boca. O rosto estava todo inchado. Parecia uma bola roxa. Foi aí que ouviu-se uma canção ao fundo. Uma canção conhecida de todos os presos, a exceção de Micuim. De súbito o silêncio da carceragem era arrebatador, aterrador, ensurdecedor. Daqueles em que somente se houve um zumbido. Mas, ali, havia a musiquinha ao fundo foi então que aquela voz perguntou:
- Quem é Micuim?
Todos estavam em silêncio. O rapaz disse a Micuim:
- Primeiro o Mãozinha te dá “ um trato” , depois o Raspadinha termina a fatura.
- Quem é Micuim? Perguntou a voz, novamente, com tom ameaçador e completou “ se ninguém disser vou pegar qualquer um no lugar dele”.
Um magrelo da segunda cela respondeu:
- É o da última cela , junto com Florisbela .
Entrou o carcereiro cantarolando aquela musiquinha:
- É o bicho, é o bicho! Vou te devorar, policial eu sou...
Um Abraço e Até!
sábado, setembro 20, 2008
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